domingo, 10 de maio de 2015

“Trabalhos para Casa” (TPC) uma questão na ordem do dia


Para denominar os trabalhos escolares que as crianças e jovens fazem fora da sala de aula: em casa, na escola (no estudo acompanhado), no ATL ou noutras instituições, utilizam-se diferentes designações. “Trabalho para casa” é a expressão mais corrente, seguida de “deveres”. 
A sigla TPC (trabalho para casa), conhecida no universo de todos, é muito utilizada pelas crianças para brincar e inventar outras designações: trabalho para carecas, trabalho para cábulas, trabalho para camelos, tortura para crianças, trabalho p’ra chatear etc., o que pode ser um indicador de uma reflexão crítica relativamente ao que significa este tipo de trabalho, para elas monótono, difícil, sem sentido e sem qualquer atractivo, roubando-lhes, inclusive, o tempo de brincar. Assim, a forma descontraída e humorística com que utilizam estas designações é uma maneira de relativizar e aceitar este tipo de trabalho, alienante e sem sentido, constituindo a subversão da designação pela manutenção das iniciais (TPC) uma forma de resistência simbólica e difusa a algo que normalmente sentem como hostil.

Como todos sabemos, à maioria das crianças são propostos como “TPC” tarefas que incluem cópias de textos, repetições de palavras (várias vezes), fichas com contas e problemas diversos que na maior parte das vezes se limitam a reproduzir os conteúdos dos livros ou o que eventualmente foi feito e explicado na aula.Para muitas crianças, os “trabalhos de casa” consistem no acto de abrir a pasta, tirar os cadernos, os livros e os lápis, fazer o que a professora/o mandou, fechar o caderno e voltar a guardar. Aliás, está quase tudo no caderno ou no livro, é só copiar.

Este ritual é para muitas crianças, sobretudo para as mais pequenas, tudo o que elas conhecem como próprio do acto de estudar. De facto, ao confundir-se estudar com este tipo de “trabalhos de casa”, estamos a afastar a
1hipótese das crianças se familiarizarem com o interesse pelo conhecimento satisfazendo a sua curiosidade natural através da pesquisa.
O conceito de estudar é muito confuso, e as crianças só o vão percebendo com o decorrer da escolaridade e à medida que se vão confrontando com outras situações – como, por exemplo, estudar a tabuada, estudar para um teste – e, mesmo assim, tudo isso depende delas. A função de estudar, não sendo uma operação muito concreta e codificada, é algo que não é muito claro para as crianças e, provavelmente, para os adultos com quem convivem. A maior parte das crianças não gosta de fazer “trabalhos de casa”, mas aceita a obrigatoriedade da tarefa mais ou menos pacificamente. Outras, contudo, manifestam-se: É uma seca... Tenho de estar sempre a escrever... cansa a mão... Já estou cheio. Apesar das dificuldades (não sabem fazer ou estão cansadas após um dia na escola), os “trabalhos de casa” aparecem sempre como alguma coisa que faz parte dos seus quotidianos, que está naturalizada e que, portanto, não se questiona – temos de fazer todos os dias e muitos... – ou cuja realização é condicionada pelo medo – se não fizer a minha professora ralha-me.

O conceito de trabalho de casa aglomera um conjunto de práticas e de efeitos que só aparentemente têm o mesmo sentido e intuito (sucesso, mobilidade social, emprego, integração...), para as mais diferentes motivações: as crianças parecem querer corresponder às expectativas dos pais e professores; os professores aparentemente querem corresponder às expectativas sociais; outros técnicos de educação dizem querer ajudar as crianças a ter melhores desempenhos escolares; os pais parecem querer proporcionar uma maior mobilidade social através da escola; e os técnicos da área social, por sua vez, defendem porventura esses trabalhos como um instrumento para ajudar as crianças a sair dos ciclos de reprodução da pobreza e da exclusão.

Quantos pais e encarregados de educação não estão, depois de um dia de trabalho cansativo, a ensinar contas e tirar dúvidas aos filhos em vez de conversarem e aproveitarem para brincar com eles? Quantas crianças sofrem por não terem pais que os saibam ajudar? Quantos auxiliares de acção educativa, sem preparação para o efeito, estão em ATL a ajudar as crianças a fazer trabalhos de casa?
Quantas crianças desistem todos os dias da escola por causa deste tipo de trabalho?


M José Araújo




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