Ler um livro não é mais importante que ver, por exemplo, um filme, é apenas diferente. Só que é nessa "diferença" que está tudo, ou quase tudo. Não só a liberdade de leres o livro como quiseres, de trás para diante ou de diante para trás, de voltares ao princípio ou de o fechares e recomeçares a lê-lo no dia seguinte, mas também a liberdade de te leres a ti mesmo nele, de imaginares tu (por mais pormenorizadamente que o autor os descreva) cada personagem, cada lugar, cada acontecimento. E de, nele, viajares, na companhia das palavras do escritor, por mundos reais e imaginários, dentro e fora de ti, que só a ti pertencem, indo e vindo como e quando quiseres entre esses mundos e o teu mundo de todos os dias. Porque, num livro, só aparentemente é o escritor quem conduz a história, na realidade tu é que vais ao volante, a história ou poema que lês é mais teu e dos teus sentimentos e tuas emoções que dos do escritor. De tal modo que, se voltares a ler o mesmo livro passado muito tempo, o livro já se transformou, já é outro, só porque tu também já te transformaste e já és também outro. É por isso que se diz que todos os livros são sempre muitos diferentes livros, tantos quantos as pessoas que os lerem ou tantos quantas as vezes que uma mesma pessoa os ler. E isso é uma coisa maravilhosa, descobrir que nós, com a nossa imaginação e o nosso coração, é que estamos a escrever os livros que lemos.
Manuel António Pina
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