terça-feira, 25 de março de 2014

o “ofício de aluno” é somente uma componente do “ofício da criança”


Perrenoud, olhando a escola como lugar de confronto e articulação de actividades diferenciadas que movem alunos e professores, desenvolve o conceito de “ofício de aluno”, a partir de uma visão da sociologia da educação que ultrapassa a análise dos problemas da escola, para se centrar na vida prática quotidiana. Será que tal como o/a professor/a exerce um ofício — na medida que tem um trabalho remunerado e reconhecido socialmente —, também podemos dizer que o aluno exerce um ofício? “Ser aluno, trabalhar em, é uma das ocupações permanentes mais universalmente reconhecidas. Haverá algum ofício mais reconhecido que aquele que é exercido, por obrigação, durante cerca de pelo menos dez anos de vida?” (Perrenoud, 1995:14). O “oficio de aluno” é marcado por um tipo de ocupação manual (manipulação de um conjunto de materiais escolares), que rompe com outras formas socializadoras, outros ofícios e aprendizagens que se faziam na esfera doméstica.
Se o ofício de aluno/a parece ser mais sui generis do que outros, não é somente por não ser pago, mas sobretudo porque é marcado por algumas tensões: i) não é livremente escolhido; ii) depende de terceiros (na medida em que para o aluno aprender o professor tem de ensinar); iii) exerce-se em permanente supervisão, nomeadamente em relação à avaliação; iv) está sujeito a uma avaliação das qualidades pessoais, mas também dos defeitos das pessoas, da sua cultura, da sua inteligência e do seu carácter (ibidem: 16).
À noção de “ofício de aluno” vem juntar-se a noção de experiência proposta por Dubet e Martuccelli (1996)[2], quando referem que as crianças na escola não se limitam a repetir, mas têm capacidade para gerir experiências escolares, experiências essas que vivem entre as lógicas da acção e da integração. Prévot e Chamboredon estenderam esta perspectiva explicitando que o “ofício de aluno” é somente uma componente do “ofício da criança”.
            Estamos tão preocupados com o desempenho escolar das crianças e com a educação formal — olhando-a somente a partir de uma instrumentalização do trabalho para atingir um fim — que não aprovamos nenhuma actividade que nos pareça afastar-se da escolarização, ou seja, desse objectivo central do bom desempenho escolar. De uma maneira geral, a retórica do trabalho e do esforço tende a ofuscar a necessidade que as crianças têm de ter tempo para as suas próprias ocupações. Para brincar. A retórica do trabalho como fonte de progresso no que respeita à vida dos adultos dificulta ou impede, mesmo, a compreensão do que é a infância, resultando numa forma de manter o poder sobre as crianças.



[1] PERRENOUD, Philippe (1995). Ofício de Aluno e Sentido do Trabalho Escolar. Porto: Porto Editora.

[2] DUBET, François & MARTUCCELLI, Danilo (1996). À l'école: sociologie de l'expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil.

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