Perrenoud, olhando a escola como lugar de confronto e articulação de actividades
diferenciadas que movem alunos e professores, desenvolve o conceito de “ofício de aluno”, a partir de uma visão
da sociologia da educação que ultrapassa a análise dos problemas da escola,
para se centrar na vida prática quotidiana. Será que tal como o/a professor/a
exerce um ofício — na medida que tem um trabalho remunerado e reconhecido socialmente
—, também podemos dizer que o aluno exerce um ofício? “Ser aluno, trabalhar em,
é uma das ocupações permanentes mais universalmente reconhecidas. Haverá algum
ofício mais reconhecido que aquele que é exercido, por obrigação, durante cerca
de pelo menos dez anos de vida?” (Perrenoud, 1995:14). O “oficio de aluno” é
marcado por um tipo de ocupação manual (manipulação de um conjunto de materiais
escolares), que rompe com outras formas socializadoras, outros ofícios e
aprendizagens que se faziam na esfera doméstica.
Se o ofício de aluno/a parece ser mais sui generis do que outros, não é somente por não ser pago, mas
sobretudo porque é marcado por algumas tensões: i) não é livremente escolhido;
ii) depende de terceiros (na medida em que para o aluno aprender o professor
tem de ensinar); iii) exerce-se em permanente supervisão, nomeadamente em
relação à avaliação; iv) está sujeito a uma avaliação das qualidades pessoais,
mas também dos defeitos das pessoas, da sua cultura, da sua inteligência e do
seu carácter (ibidem: 16).
À noção de “ofício de
aluno” vem juntar-se a noção de experiência
proposta por Dubet e Martuccelli (1996)[2],
quando referem que as crianças na escola não se limitam a repetir, mas têm
capacidade para gerir experiências escolares,
experiências essas que vivem entre as lógicas da acção e da integração. Prévot
e Chamboredon estenderam esta perspectiva explicitando que o “ofício de aluno” é somente uma componente do “ofício da criança”.
Estamos tão preocupados com o desempenho
escolar das crianças e com a educação formal — olhando-a somente a partir de
uma instrumentalização do trabalho para atingir um fim — que não aprovamos
nenhuma actividade que nos pareça afastar-se da escolarização, ou seja, desse
objectivo central do bom desempenho escolar. De uma maneira geral, a retórica
do trabalho e do esforço tende a ofuscar a necessidade que as crianças têm de
ter tempo para as suas próprias ocupações. Para brincar. A retórica do trabalho como fonte de
progresso no que respeita à vida dos adultos dificulta ou impede, mesmo, a
compreensão do que é a infância, resultando numa forma de manter o poder sobre
as crianças.
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